sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Os defuntos é que resolvam de quem será a coroa



Por ocasião da morte de um irmão de uma amiga nossa - minha e da Ieda - fomos solidárias. Assim comparecemos ao velório para manifestar nossas condolências. Ao chegar na capela 7, encontrei a Ieda, com os olhinhos merejando lágrimas e cumprimentando a família do falecido. Eu, nessas horas, não consigo falar nada, acho que nem devo, as palavras me faltam. Agora a Ieda que já tinha vindo de outro velório, estava toda chorosa e também muito prosa. Manifestava os pêsames e expressava palavras de conforto aos quatro cantos da sala.
Num determinado momento, com os olhos cheios de lágrimas e um sorriso assim meio entreaberto, quase tímido, ela me convida para dar uma voltinha fora da capela, com certeza, para me contar algo de extraordinário. A Ieda e suas histórias se fazem mais envolventes do que Graciliano Ramos com Alexandre e outros heróis.


Segundo a Ieda, quando ela chegou no Campo da Boa Esperança, tratou logo de comprar uma coroa de flores, não muito chique, porque, como se sabe, somos pessoas simples. Mas ela queria fazer bonito, não queria chegar no velório de mãos abanando.
Dirigiu-se à capela. E ao entrar, o caixão estava sendo fechado, olhou para os lados não reconheceu ninguém e achou que tudo estava muito requintado, e a nossa amiga, assim como nós, é de família simples. Contudo, ela ergueu a cabeça e caminhou até o caixão - que era de uma finesse só - e depositou a coroa simples, bem simples, entre tantas glamourosas. Voltou-se para o grupo de pessoas que estavam ao redor do caixão. E, à medida que isso fazia, sentia todos os olhares voltados para ela, todos indagativos. Olhou para os lados e procurou pela nossa amiga, não a encontrou. Perguntou a um senhor do lado se aquele velório era do Antônio, o moço todo engravatado respondeu que sim - era do Antônio. Continuou de pé, com os olhos insistentemente à procura da nossa amiga, enquanto isso todos os olhares continuavam voltados para ela. Ela era o centro das atenções. O defunto, coitado, perdeu o seu momento de glória. Talvez a tivesse de volta ao encontrar com São Pedro, com o diabinho, ou com a viúva que estava pra ter um ataque do coração!!!
Inquieta com todos os olhares e também por não ver ali a nossa amiga, resolveu perguntar de novo se o defunto era o Antônio e acrescentou: - Antonio, irmão da Rose? A resposta agora não veio do senhor, veio de uma senhora, que já meio que entendera a situação e um pouco preocupada com a repercussão daquela mulher desconhecida no recinto em horário tão desconfortável, afinal, as surpresas em relação à bigamia sempre ocorrem nesses momentos dolorosos. Certo! A outra também tem o direito de se despedir do seu amor. Era o que todos esperavam.
- O finado é o Antônio Luis, mas não é o irmão de Rose nenhuma não, respondeu a senhora.
Ela, sem graça, percebe o engano, então confere, estava na capela 6.
Bom, o que fazer agora, chegar na capela do Antônio, irmão da nossa amiga, sem a coroa de flores ou recolher a coroa e sair de lá dando a entender que estava no velório errado?
Ficou ali por uns 15 minutos na indecisão. Um grande dilema atordoou seu coração. Foi um quarto de hora que mais pareceu uma hora inteira.
-Pega ou não pega a coroa... Pega ou não pega a coroa... Pega ou não pega...
O seu corpo, às vezes, se inclinava em direção ao caixão para retirar a coroa. Nisso, as pessoas achavam que ela iria dar um surto de choro para expressar a dor de perder o amante, surtos daqueles que a pessoa se debruça sobre o caixão e o choro sai aos berros. Contudo, resolveu não pegar a coroa e deixar que os mortos se entendessem lá do outro lado e decidissem de quem ela seria. Afinal o que vale é a intenção. A dela foi das melhores.
Não hesitou em partir da capela 6. Lá se foi pensativa. Atravessou o jardim para a capela 7 acreditando que todos aqueles olhares interrogativos "quem é essa mulher?", na verdade, não eram para ela, mas sim para a ameaça que ela provavelmente significou, ela seria mais uma para compartilhar os bens, e se ela tivesse tido filhos com o finado? Seria uma família inteira?! Cada um deles menos rico.
Ainda bem que a briga, se existir, será somente a dos finados. E acho que nem vai valer a pena. Entre tantas coroas chiques, o Antonio Luis não hesitará em fazer justiça e devolver a coroa ao nosso amigo Antonio, irmão de Rose.
Agora imaginem isso contado pela Ieda durante o velório. Muito mais envolvente. Ali, enquanto a maioria chorava, eu sorria... Já não era a Ieda o centro das atenções. Como é que pode? Enquanto uns choram a dor da partida de um ente querido, outros riem sem a menor consideração! Mas não houve jeito... Tive que sorrir... Que me perdoem o defunto e a nossa querida amiga Rose!!!
Beijos, Ieda, só você mesma...

2 comentários:

Paulinho disse...

Esta história da Ieda me fez lembrar do velório da minha mãe. Estava lá a dona Léa sendo velada pelos parentes e amigos quando chegou um padre e se apresentou a mim. Ele era da Paróquia São José, na QND, em Taguatinga. Disse que ia fazer uma oração. Minha mãe era espírita, minha irmã é crente, eu e meu irmão não temos religião... mas oração é sempre bem vinda. As palavras ditas nessas ocasiões são todas iguais. Mas os nomes, não. Quando ele se referiu à minha mãe como Regina eu percebi o porquê de ter um padre ali: era engano. Falei ao ouvido do padre que o corpo era da dona Léa. Ele disfarçou um pouquinho (menos que a Ieda) e saiu de mansinho para procurar o seu defunto.

Rosa Amarela disse...

Pois é, Paulinho, você devia contar essa história aí em forma de crônica, vai ficar bem legal. Às vezes nos divertimos com esse enganos... Eles dão graça às nossas tristezas...
Aposto que vocês, em família, devem morrer de rir quando alguém conta isso.