domingo, 8 de fevereiro de 2009

Acorrentado, ninguém pode amar!

Por Rosamélia
Aquele senhor sempre passeava por aquela rua. Era sempre elegante, quase sedutor, se não fosse pelos bigodes densos que lhe davam um ar de austeridade. As pessoas, ao observá-lo, sempre questionava o seu ir e vir. Mostrava-se de um extremo recato e de pouca audácia na vida. Vivia só aparentemente. Ao me aproximar dele um dia, senti um brilho intenso em seus olhos e não pude deixar de cumprimentá-lo. A sua voz saiu agradecida, respondeu-me como se estivesse pedindo para que eu continuasse a conversa, revelou outra face que não se conhecia. A austeridade desapareceu. A simpatia inundou o seu rosto e...

ele me convidou para um passeio, aquele que fazia sempre. Sem coragem de dizer não, aceitei.
Sempre costumo ser gentil e atenciosa com os idosos, principalmente quando eles revelam ter mais de 60. Na verdade, ele tinha aproximadamente 50, apesar de ter uma aparência de mais velho. O passeio foi agradável. Falou-me de muitas coisas, filosofias de vida, do seu passado. Contou-me histórias engraçadas de sua infância. Seus olhos brilhavam de entusiasmo ao falar do lugar em que viveu, dos pais, dos irmãos, das brincadeiras de infância. As memórias pareceram-me bem fortes e vivas, como se tudo tivesse acontecido há muito pouco tempo.
Outros passeios aconteceram, explorei o meu lado altruísta e, uma vez por semana, encontrava-me com aquele doce ancião e passeávamos pela orla, pelo parque, pela praça. Dava a ele a minha atenção e o meu carinho. Éramos pai e filha. Amigos fraternos.
Fui tentanto compreender aquele ser humano, suas angústias, seus medos. A gente, às vezes, pensa que o homem porque envelhece deixa de criar expectativas e ser idealista. Nada mais falso.
O agradável senhor resolveu, um dia desses, me contar a história do grande amor da sua vida. Ele tinha um jeito envolvente de contar suas histórias. Criava expectativas e deixava o melhor sempre para o final, assim como acontece nos melhores romances de literatura. Nesse dia, ele se revelou outra pessoa. Nunca o vi tão triste, baixou a cabeça e começou, sentado ali na beira da praia, a soluçar. Essa história ele me contou meio que engasgado, como se a tivesse vivamente dentro do peito. Como se precisasse falar para se salvar, para se libertar. Estava preso àqueles sentimentos, estava preso àquela vida idealizada. Ouvi-lo foi uma catarse, sobretudo para ele. Pude aprender e refletir sobre a conduta humana. Ele me disse:
-Minha filha...aquela mulher foi a minha vida e, ao terminar o relato ainda disse, sinto que ela ainda é.
Cheguei à conclusão de que a grande aflição do ser humano é saber que tudo está em movimento, que a vida se transforma, as águas do rio de Heráclito se vão, que ele nunca mais será banhado pelas mesmas águas, mesmo quando deseja muito ser, reviver sentimentos. A angústia humana é descobrir que a morte não é puramente carnal, há uma que pode ocorrer todos os dias, quando matamos sentimentos ou nos despreendemos deles naturalmente para fazer outros nascerem, para desejarmos novas formas de sentir. Contudo, ao se aprisionar, isso o machuca, porque não é o que deseja: está preso, e isso significa que o sentimento se está quase por um triz e continuamos agarrado a ele, como uma força para que possamos sobreviver, criamos subterfúgios para não matá-lo de vez e alimentamo-lo dentro de nós. É incrivel a capacidade que o ser humano tem de permanecer preso a sentimentos, a razões que não mais existem de fato e, sobretudo, a de alimentar tudo isso como se fosse o mote da vida cuja continuação se dará mesmo que não se faça mais parte dela. Há o reconhecimento que tudo muda, o outro muda, mas o desejo humano tão intenso de permanecer acorrentado ao passado, desequilibra o homem de tal maneira que ele deixa de viver, deixa de sonhar, deixa de amar. A grande aflição do homem é saber que vai morrer e o mundo continuará sem ele a sua rotina natural, que ele não é para o outro aquilo que desejou que fosse. Assim dessa forma ele se tortura! Não mata aquilo que o destrói para que possa realizar a ressurreição de seus sentimentos. O homem, muitas vezes, revela-se preso às paixões idealizadas, não se transforma, não percebe que o mundo e ele próprio estão em constante movimento e que tudo muda, sobretudo, os sentimentos.
Depois de ouvir aquele senhor falar, tomei como lição de vida. E compreendi que é preciso morrer para viver...

5 comentários:

Anônimo disse...

E aí Rosa?! Gostei de seu blog, muito interativo. legal pacas!!! Tentei fazer um comentário sobre seu coração balançando e não havia conseguido, parece que agora vai. Você foi muito veemente naquele e-mail, como sempre desaforado. Mas quem não gosta de você, não gosta de ninguém. UM beijo e até terça.

Rosa Amarela disse...

Oi, Edy, na verdade, o meu e-mail não foi desaforado, ele foi meio desesperado, porque tá todo mundo pensando que você vai desistir do curso. E como eu sou a matriarca, senti a obrigação de te dar uma catacrada para ver se você retorna às aulas.
Beijo e até terça... Só sou assim com quem eu quero bem, tome isso como um afago. Todos nós estamos sentindo a sua falta.
Beijos e até terça...

Unknown disse...

Huuumm, mas tá romântica hem? parabens! Que Deus continue te inspirando a escrever coisas bonitas assim. Beijão

Cibele disse...

Vivemos para morrer, mas com toda a certeza, depois que o amor vai embora, deixamos de viver e passamos a esperar, esperar que o 'Trem' passe e nos carregue, como diria o saudoso Raul Seixas, né?!

Parabéns pelo blog. Adoro lê-lo.

Beijos, Cibele Carmo.

Rosa Amarela disse...

Sim, claro!!! Mas devemos ter cuidado para perdermos o próximo trem (rsrsrsrsrs). Às vezes, ele passa tão rapidamente e nem percebemos...
Beijinho