Por Rosa Amélia
Em ambiente de ensino, a ação de letrar e as preocupações com
o letramento têm ganhado relevância, uma vez que, cada vez mais, tem-se
compreendido que a pedagogia centrada no letramento ultrapassa os limites da
alfabetização e ganha corpo nas diversas áreas do conhecimento. Para Magda
Soares (2000), o letramento consiste na condição que o sujeito apresenta de
atuar nas práticas sociais por meio da leitura e da escrita. Claro e evidente
que para tanto o sujeito precisa ser alfabetizado, precisa aprender um código
linguístico, precisa dominar a codificação da fala e elaborar a decodificação
da escrita; mas o letramento não se resume a isso.
O professor alfabetizador, com certeza, é a base fundamental
para o desenvolvimento do letramento dentro do contexto escolar. Contudo, vale
lembrar, se não houver um trabalho consistente em relação à leitura enquanto
processo de interpretação, em que se pressupõem a (de)codificação, o
entendimento, a compreensão, a interpretação, a generalização do que se lê, o
processo de alfabetização não garante o desenvolvimento do letramento. Nesse
sentido, muitas vezes, as atividades relacionadas ao letramento e suas
responsabilidades ficam restritas ao trabalho desenvolvido pelo professor da
área de linguagem, especificamente o de Língua Portuguesa.
Observa-se, no entanto, que letrar não é competência apenas
do professor alfabetizador, muito menos se restringe às atividades relacionadas
ao estudo da linguagem. Letrar ultrapassa todas as ações realizadas por esses
dois profissionais, uma vez que o primeiro alfabetiza – ensina o código – e o
outro trabalha questões de leitura e interpretação muito restritas ao campo da
linguagem e da arte literária. E é impossível para o professor de Língua
trabalhar questões de leitura e interpretação em todos os campos do
conhecimento. Ele pode até tentar; mas é, praticamente, inconcebível que isso
se realize em função de uma série de questões, que passam, inclusive, pela
formação do referido profissional.
Qualquer professor, inclusive os de área específica ou de
área técnica, pode e deve trabalhar para a composição do letramento dos
estudantes. Na escola, ouve-se muito que o estudante não sabe isso ou aquilo,
sendo que esse isso ou aquilo são pré-requisito para se avançar; na escola,
observa-se muito a busca de responsabilidades pelos insucessos dos alunos;
contudo também há bastante inércia no que se refere às práticas docentes
relacionadas aos processos de ensino e de aprendizagem.
O que fazer diante de um cenário em que os estudantes foram
alfabetizados, mas não foram letrados? Diante dessa pergunta, vale destacar
também que o letramento é processo e não se finda nunca. Qualquer pessoa que se
mantém envolvida em processos de leitura e de escrita na sociedade permanece em
contínuo processo de letramento, ou seja, permanece sempre aprendendo algo novo
a partir da leitura e a respeito da escrita.
Voltando à pergunta anterior, para respondê-la, talvez seja
necessário pensar que, se os alunos já foram alfabetizados, mas seguiram para
séries mais avançadas sem desenvolver as competências de leitura e de escrita,
os professores, de um modo geral, devem desenvolver atividades de leitura e de
escrita a partir das quais possa se promover o letramento relacionado às suas
áreas.
Isso parece ser interessante, uma vez que se o professor de
Ciências trabalha a leitura e a escrita, ele vai explorar questões específicas
do letramento nessa área; se os professores de História e de Geografia atuam da
mesma forma, há a possibilidade de se desenvolver o letramento também nessas
áreas; se o professor de Matemática, de Física e de Química também atuam
contemplando a prática da leitura e da escrita, com certeza, estarão
trabalhando para o desenvolvimento do letramento. Da mesma forma, pode se
pensar nos professores das áreas específicas (agricultura, pecuária,
agroecologia, indústria, alimentação, produção moveleira, meio ambiente,
engenharia, gastronomia, tecnologia da informação, informática, mecânica etc.),
os quais podem trabalhar de modo a promover a prática da leitura e da escrita
de acordo com as necessidades acadêmicas e profissionais de cada setor de
atuação.
Para isso acontecer, tais professores devem sair da postura
de meros expositores de informação, para promover atividades que envolvam os
estudantes como coprodutores e sujeitos capazes de pensar sobre o que leem e o
que escrevem, capazes de refletir acerca do conteúdo sobre o qual leem e sobre
o qual precisam escrever, devem entender a necessidade da escrita na elevação
do conhecimento dos estudantes, devem trabalhar para ampliar o conhecimento
deles a partir de atividades letradoras e não meramente repetidoras e
mecânicas, como, costumeiramente, acontece.
Dito dessa forma, parece bastante fácil transformar as ações
educativas no sentido de promover o letramento. Entretanto sabemos que não é
tão simples, uma vez que vem se repetindo um modelo de ensino-aprendizagem
bastante tradicional e no qual se acredita, em muitas situações, ser a melhor
forma de promover a aprendizagem do aluno, de educá-lo e de ensiná-lo. Sabe-se
que nem sempre somos bem-sucedidos. Falhamos enquanto professores letradores,
basta observar o quanto de alunos temos, nas nossas escolas, com dificuldades
de ler e de escrever textos nas diversas áreas do conhecimento e a partir das
inúmeras situações sociais em que estão inseridos.
O que fazer então diante dessa consciência? Abandonar todos
os métodos tradicionais e buscar práticas inovadoras centradas sobretudo na
tecnologia? Dar aulas show usando os recursos da tecnologia para possibilitar
um falso envolvimento do aluno nas estratégias de aprendizagem? Não. Nesse
último caso, é salutar ressaltar que o uso de alguns recursos tecnológicos não
muda a prática docente. Ela, como se pode observar, continua expositiva. Talvez
seja mais pirotécnica a depender dos recursos que se usam, por exemplo,
recursos audiovisuais – como Datashow ou Vídeo-aulas – que, cada vez mais,
colocam o estudante como mero expectador de aulas das quais ele não participa
ativamente.
É necessário que o professor seja crítico em relação à sua
prática, capaz de refletir sobre os modos como ensina e sobre os modos como se
aprende. Aprender hoje é diferente de aprender como se aprendia no passado,
devido a diversos fatores, entre eles o excesso de informação a que se tem a
dispor. Tal excesso de informação acaba por eliminar as fronteiras entre as
áreas do conhecimento. Associado a isso ainda temos o fato de que a tecnologia
contribui para o hibridismo dos textos que marcam a necessidade de uma
articulação muito maior para a compreensão.
Nesse sentido, o professor, além de ter uma postura reflexiva
acerca da forma como ensina, deve valorizar estas questões relacionadas às
fronteiras do conhecimento e deve pôr-se em constante processo de formação.
Sendo o conhecimento sem fronteiras, as formas de aprender e de ensinar também
o são. Tal afirmativa não vale somente para o aluno, vale também para o
professor, que deve deixar a atitude de detentor e transmissor e colocar-se
numa postura de mediador na construção do conhecimento. Nesse sentido, ele, ao
ensinar, aprender e; ao aprender, é capaz de ensinar com mais sucesso. O
professor que se coloca na posição de constante aprendiz é capaz de, mais
rapidamente, se colocar na posição do estudante.
Para concluir, considerando tal contexto em que se situam
aluno e professor, observa-se que a aprendizagem se constitui pela mediação, em
que o planejamento do professor, a orientação de estudo e de trabalho possam
promover atividades de leitura, de escrita e de resolução de problemas/questões
que façam sentido para a vida do estudante. Mais importante que transmitir o
conhecimento, é primoroso que o professor consiga mediar a construção do
conhecimento, porque, dessa forma, ele trabalha tanto os conteúdos específicos
de sua área, quanto as habilidades de leitura, de escrita, a autonomia, a
capacidade de articulação e de generalização. Nesse sentido, o trabalho do
professor não está circunscrito aos conteúdos de sua área, mas desenvolve o
letramento numa perspectiva mais abrangente.
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