segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Santo remédio de Elisa Lucinda

"O coração quis amanhecer quebradiço no canto do quarto.
Não deixei. 
Um céu assim de passarinhos faz coro preu não chorar.
O homem recolheu seus mimos, retirou-me da companhia de seus versos de amor escritos em minha direção e chacoalhou com 
força meu pequeno frasco de certezas, 
e revelou-se o incerto.
Sexta-feira.
Ponho as cartas sobre a mesa,
exponho-me à leitura de mim.
Leio meus ais e suas frustrações.
Enquanto escrevo,
uma lágrima escorre pelo lado esquerdo do rosto
teimosa em mostrar-se a mim,
assim mesmo, como lágrima
em estado de não-alegria.
Enxugo-a, eu quase fria.
Não me comovem as cenas do mal estar da civilização logo pela manhã.
Toma-me a consciência de que tudo que amamos é revestido daquela camada de intenções vindas da nossa antiga fábrica de ilusões,
que não para, nunca para de funcionar noite e dia, dia e noite, o velho galpão.
Estou como uma menina querendo colo, carinho, a certeza do amor dos meus, o ninho.
Cato lembranças de afetos profundos que recebi, faço um emplastro disso, daquela mistura amorosa
e ponho sobre os cortes, sobre os trincados da vidraça do meu coração.
Pronto.
Encantação.
Agora mesmo, pus um versinho bobo de amor sobre a ferida.
Vou esperar cicatrização."
("Santo remédio", Elisa Lucinda)

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