sexta-feira, 27 de abril de 2018

Outro desabafo

Por Rosa Amélia
Hoje, gente, fiquei muito triste... aliás, ando muito triste com os retrocessos que acontecem no Brasil. Os pobres cada vez mais pobres... Hoje fui à Saga deixar o meu carro para realizar um procedimento de revisão que leva o dia todo,  voltei para casa de buzão... adoro andar de buzão... sempre tive amor a essa experiência porque ela me lembra da minha chegada a Brasília. Ao descer a pé para a rodoviária, meu coração enterneceu... havia, em frente ao Conjunto Nacional e também na rodoviária, um monte de fiscal e colaborador da Agefis atacando os ambulantes como se fossem urubus na carniça. Mais  triste ainda era observar no rosto deles o prazer de uma hiena ao realizar o ataque aos pobres trabalhadores informais. Peguei o meu ônibus e, no silêncio da multidão alvoroçada, fiquei com o coração apertado, sentindo uma tristeza que só senti quando cheguei a BsB, por volta de 20 anos atrás, ao observar a quantidade enorme de pedintes nas ruas, a quantidade de gente correndo da Agefis, a quantidade de pessoas nos semáforos vendendo coisas ou fazendo malabarismos. Bateu aquela mesma tristeza de 20 anos atrás no meu peito, quando isso era constante, quando o governo não tinha nenhuma política de inclusão para essas pessoas. Mais uma vez me certifiquei de que os menos, muito menos mesmo, favorecidos, no Brasil, não têm tido nenhum espaço na sociedade, nem mesmo a possibilidade de lutar para sair da pobreza econômica, que é, infelizmente, a que mais pesa na vida das pessoas. Senti uma tristeza enorme, porque, quando cheguei a BsB, ainda nos governos do PSDB, era o que se via nas ruas: muita pobreza... e eu sempre sentia muita tristeza em perceber isso. E, hoje, infelizmente, parece que a condição de exclusão do brasileiro está de volta. Um sentimento de impotência, uma vontade de chorar, de gritar as injustiças, de ser um Antônio Conselheiro na vida dessas pessoas, uma vontade de fazer alguma coisa; mas, entremeada a isso, veio uma sensação de inércia, de vazio, de solidão, de que não posso muito ou quase nada contra as forças políticas que aí avançam. Fiz esse desabafo a um amigo e ele me lembrou este poema lindo, romântico e realista, ao mesmo tempo, do Drummond...

A FLOR E A NÁUSEA, ROSA DO POVO,
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erra, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de l9l8 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar,   galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

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