Por: Rosa Amélia Silva
Ler é emprenhar-se de idéias, escrever é
engendrá-las. Entre esses dois atos, o segundo parece mais difícil. E acredito
que não seja fácil para ninguém. Clarice Lispector, ao ser questionada acerca
de seu método de escrita, disse que, por muito tempo, não tinha método, as
idéias vinham e, muitas vezes, se perdiam pela falta de registro. Quando tomou
consciência disso, passou a registrá-las, tomar nota de tudo o que lhe ocorria.
Descobriu sozinha seu método: tomava nota das idéias, seguindo-as apenas pela inspiração,
para depois descobrir o que queria (Perissé, 2004: 75). Sou lispectoriana: as
idéias vêm; se não as anoto, elas fogem de mim, perdem-se no meio da minha
vida. Por isso, quando elas dão o ar da graça e eu as julgo importantes,
apressadamente, registro-as, mesmo que fragmentadas, para não perdê-las entre
tantas outras e poder engendrá-las com mais carinho.
E ler? Ler é fácil? Há uma grande
diferença entre o ato de ler e o de escrever, apesar de este ser uma
conseqüência daquele e de apresentarem uma relação de complementaridade.
Segundo Yunes (2003: 7), a leitura antecede a escrita e a primeira é
matéria-prima da segunda. Ler revela-se fácil, porque se lê o mundo, a vida, as
pessoas, os desejos, as palavras; porque somos sensíveis e captamos ou rejeitamos
as mensagens. Não se deve esquecer que o ato de rejeitar ou o de aceitar uma
mensagem são formas de ler o mundo. Ler é sentir. Escrever é expor sentimentos.
O sentir é o sujeito consigo mesmo. Sou eu comigo mesma, descobrindo-me,
preenchendo-me, acariciando-me. O escrever é o sujeito com o outro. Sou eu e o
outro. Nesse caso, eu posso me revelar ou me encobrir. Não sou a leitora em
potencial, sou expositora de mim mesma, de minhas leituras, de minhas
experiências. Quem me lê é outro por meio de minhas palavras.
A leitura é uma atividade própria da
natureza humana. Ler é uma questão de sobrevivência (Yunes, 42). Por isso essa
prática se torna mais fácil, principalmente quando se pensa em leitura de
maneira ampla, considerando os signos sob todas as formas, manifestações e
ocorrências. Quando se
pensa na leitura da palavra, a configuração do processo é
peculiar. Por quê? As palavras são mirabolantes, elas nos falham, elas nos vêm
aos montes, desejosas de serem expressas, elas nos traem, elas nos revelam segredos,
elas segredam a vida. Elas expressam o tudo e o nada. Isso porque são
polissêmicas e polifônicas: ricas, pobres, fortes, fracas, positivas,
pejorativas, ambíguas e fascinantes. Por meio delas, elabora-se a vida, para
representá-la e narrá-la aos outros. Dessa maneira, ler é fartar-se, encher-se
de sentidos, consumi-los, pouco a pouco e ardentemente. Escrever é – ou deveria
ser – oferecer-se ao outro, entregando-se a ele lentamente. Segundo Francis
Bacon (Apud: Vieira et al, 2007: 35), a leitura torna o homem completo; a
conversação o torna ágil; e o escrever dá-lhe precisão.
Em decorrência de alguns estereótipos
acerca da leitura no Brasil como: adolescentes não lêem, não gostam de ler, têm
preguiça de ler e por isso não sabem escrever, faz-se necessário repensar a
concepção de leitura na escola e na vida, já que a sociedade pós-moderna se
encontra em um ritmo tão acelerado de inovações tecnológicas, que as formas de
ler e escrever apropriadas e desenvolvidas nos séculos passados já não são tão
profícuas e eficazes. As novas tecnologias – que exploram as imagens visuais e
os sons – exigem nova atitude do indivíduo, segundo Rocha (2007: 35), o mundo
das imagens e dos sons tornam o homem mais no mundo.
A textualidade eletrônica revela um novo
leitor, porque a era digital coloca ao homem a possibilidade de leitura de
vários gêneros sob o mesmo suporte, sem hierarquia entre eles. Segundo Chartier
(2002: 108), o autor de uma obra pode desenvolver sua argumentação segundo uma
lógica que não é mais linear e dedutiva, como acontece no livro modo códex, ela
se constrói de forma aberta, expandida e relacional. E assim também constitui o
novo leitor em sua prática de leitura, com uma linearidade determinada pelo seu
viés de suas expectativas, não mais do autor. A sociedade pós-moderna exige que
o indivíduo seja capaz de ler e escrever nas diversas esferas da comunicação e
que, sobretudo, seja capaz de criar o próprio caminho para a construção do
conhecimento exigido em cada contexto e em cada ato comunicativo, seja de
leitura ou escrita.
Com o propósito de analisar a prática de
leitura literária ou não literária nas escolas e a concepção de leitura entre
os jovens estudantes no contexto brasileiro, este artigo explora textos
produzidos em concurso público1
para o cargo de analista do Ministério de Ciência e Tecnologia que, de certa
forma, esfacelam os já citados estereótipos.
Para começar tal reflexão, é preciso
ressaltar a visão que se tem acerca da importância da leitura na vida humana,
sobretudo da leitura literária,
Máscara 1061 –
O desembaraço com a leitura é a condição precípua do
desenvolvimento da capacidade de analisar e compreender o mundo em que nos
inserimos e de expressar fluentemente nossas idéias e opiniões.
Máscara0867
A leitura é em sua essência uma atitude dialogal em que o leitor,
ao interpretar a mensagem do autor, reconstrói e adapta suas próprias
estruturas de compreensão do mundo.
Máscara 0899
A leitura é uma viagem que exercita a imaginação.
Máscara0007
A leitura pode ser e é um enorme prazer.
Máscara 03337
Além do prazer da arte, a literatura pode proporcionar um
benefício indireto adicional: com a hábito da leitura estabelecido, exercita-se
a leitura para outros fins, sejam acadêmicos ou para a formação feral.
Máscara 3205
A importância da leitura no desenvolvimento do ser humano está
totalmente comprovada. As pessoas que lêem freqüentemente apresentam um uso
adequado do idioma, um vocabulário enriquecido, assim como desenvolvem grande
poder de análise e interpretação de idéias, de criação e interação com novas
realidades, características fundamentais em épocas de transformações contínuas
e profundas.
Máscara 0484
A leitura é, sem dúvida, um instrumento importante na formação
cultural e acadêmica dos indivíduos, pois, através dela, desenvolve-se o
potencial crítico, a capacidade de argumentação, agregam-se novos
conhecimentos, amplia-se o vocabulário e aprimora-se a redação.
Máscara 1509
Ler é, portanto, um trabalho criativo que pode trazer muita diversão.
Para isto, é preciso compreender o que está escrito e interagir com o objeto de
leitura.
Uma pessoa que tem contato constante com a literatura naturalmente
desenvolve melhor sua comunicação escrita. Não há maneira mais eficaz de se
aprender a redigir um bom texto do que através da leitura de obras com
qualidade. Daí a importância dos clássicos literários. Além disso, a fluência
escrita traz também uma maior capacidade de comunicação oral.
De acordo com idéias extraídas dos
fragmentos, percebe-se uma consciência coletiva em relação à prática da
leitura, não somente pelo prazer que ela proporciona, pelo estímulo à
criatividade, pelo desenvolvimento da capacidade compreensiva do mundo, como
também pelo desenvolvimento lingüístico oral e escrito, pelo desenvolvimento da
capacidade cognitiva e, conseqüentemente, pelo desenvolvimento acadêmico e
profissional do leitor. A idéia de que ler é uma necessidade de extrema
importância porque contribui para o crescimento sociocultural, econômico,
emocional do indivíduo independe de época e de situação. O homem, pelo que
demonstra os argumentos, valoriza a leitura e, segundo Yunes (2003: 7), concebe
a escrita como marco entre pré-história e história, além de considerá-la
instituidora da civilização. Sobretudo com o advento da imprensa, durante a
revolução industrial, o homem tem cada vez mais valorizado a escrita como forma
de registro cultural. Houve um tempo em que só o mundo concreto era dado à
leitura, hoje o texto sob diferentes suportes e modos apresenta inúmeras
possibilidades de leitura e, por conseqüência, de registro. Com o avanço da
tecnologia, a linguagem escrita se associa ao imagético, amplia a necessidade
de compreensão das diferentes vozes que compõem os discursos sociais. A
realização efetiva da leitura depende da capacidade do leitor em acionar os
seus conhecimentos de mundo, de sua capacidade criativa de exercitar o jogo de
significações da linguagem constituídas culturalmente.
Atualmente, o indivíduo deve ser capaz de ler todas as modalidades
de textos e ainda ser capaz de acionar conhecimentos das diversas áreas:
política, economia, arte, cultura etc., para construir o percurso de sua
interpretação para os textos. Não basta que o leitor centre-se somente na
linguagem escrita. O leitor deve compreender e interpretar um repertório muito
mais abrangente de signos, os quais representam metáforas culturais construídas
por vozes inominadas e que formam a identidade coletiva. E ainda deve-se
considerar que “quem lê o faz com toda a sua carga pessoal de vida e
experiência, consciente ou não dela, e atribui ao lido as marcas pessoais de
memória, intelectual e emocional. (Yunes, 2003: 10) A essa capacidade Vieira
denomina multiletramento.2
A multimodalidade textual3 caracteriza o mundo em que se pressuponha viver o indivíduo
multiletrado, aquele que se vale de todos modos e suportes textuais para
produzir o sentido. E essa capacidade a qual muitos julgam de facilitadora do
processo de leitura de textos pode ser um empecilho, já que para que a pessoa
realize de fato as suas leituras vale-se dessa condição que, muitas vezes, é
desconsiderada no trabalho pedagógico. Evidencia-se essa consciência no
questionamento realizado pelo candidato a seguir
Máscara 0899
Será que os jovens estão realmente fugindo da leitura, ou a estão
executando de outras maneiras?
A pergunta realizada põe em cheque os já
ditos clichês construídos socialmente e associada à sociedade atual, torna-se
retórica, já que resposta parece óbvia demais quando, na era digital,
observa-se a prática da leitura sob diferentes formatos, permeada por inúmeras
vozes, muitas vezes, irreconhecidas, devido ao labirinto virtual sob o qual
acontecem. Isso, de certa forma, parece enfraquecer o valor da leitura do texto
escrito, do texto literário, canônico; porém, deve ser reconhecido como um
recurso favorecedor a leitura, já que o leitor cria novas maneiras de ler os
textos. O que fica registrado em:
Mascar 2408
Se desejamos estimular as novas gerações a desenvolverem o hábito
da leitura, devemos articular esta atividade às demais formas culturais
contemporâneas – internet, televisão, jogos computadorizados, gibis – de modo
que elas, juntas, formem um circuito reativo no qual cada atividade estimula as
demais.
Máscara 2168
Livros herméticos, de leitura cansativa, parecem perder seu lugar,
abrindo espaço para uma leitura mais dinâmica e atual.
Máscara 2599
O hábito de ler deve ser estimulado desde a infância, através de
livros ilustrados e divertidos, além de – e por que não? – gibis! Afinal, esta
também é uma forma de leitura.
Máscara 1930
Um dos grandes erros do ensino pedagógico é a obrigação de ler
livros clássicos impostos a um adolescente, por exemplo, de treze anos. E
evidente que estes livros são belíssimos, mas para um adolescente de treze anos
é complicada a compreensão da sutileza dos escritos e ele geralmente se
aborrece com a linguagem arcaica e com essas histórias tão distantes de seus
interesses.
Máscara 0267
Não querendo desmerecer os clássicos que são muito importantes
para a formação de uma pessoa e têm um valor inestimável, mas um jovem só vai
conseguir ler um clássico depois de criar um hábito, e isso só vai ocorrer no
momento em que encontrar livros que retratem sua realidade e os tempos em que
vivem, e que sejam tão dinâmicos quanto eles.
(...)
Não é por isso que a leitura perdeu o seu lugar, pois na verdade,
ela não perdeu, apenas está implícita no dia-a-dia decomposta nas atividades
mais comuns. A leitura no formato tradicional não deve ser, de maneira alguma,
ser deixada de lado, deve ser incentivada, pois seria ótimo conseguir unir o
lazer que ela proporciona ao benefício que ela gera.
Máscara 3152
A televisão, os gibis, a “internet”, devem ser vistos como aliados
e não como concorrentes desleais dos livros, estimulando o jovem a buscar a
leitura, pois, ao contrário do que muitos pensam, o gosto pelos livros não está
morto. Fenômenos editoriais recentes como “Harry Potter” comprovam o fato.
Crianças aguardam o próximo volume das aventuras da personagem tão ansiosamente
quanto o próximo videogame de Pockemon
Infere-se também, a partir desses
argumentos, que os concursandos, além de defenderem a existência de um leitor,
atestam para a necessidade de se reconhecer a leitura como um processo. Ninguém
nasce sabendo ler, as pessoas não nascem com autonomia de leitura e cada leitor
produz, para o que texto que lê, o sentido que pode (Guedes, 2006: 70), ou
seja, interpreta os textos de acordo com o seu capital cultural e suas
experiências. As pessoas crescem lendo e isso significa que elas estão sempre,
de alguma forma, em processo de aprendizagem. O comportamento leitor deve ser
estimulado gradativamente, respeitando universo de quem lê, suas experiências
individuais e coletivas, seu horizonte de expectativas, para, à medida que ele
cresça psicológica, espiritual e cognitivamente, possa ser capaz de exigir um
novo e mais amplo repertório de leitura, levando-o tanto à identificação com as
idéias expostas em um novo texto quanto a um possível estranhamento cuja
inquietação provocada pode aprisionar o leitor estimulando-o a ampliar os seus
horizontes de expectativas, a realizar novas leituras, a propor reflexões e
elaborar possíveis elucubrações que justifiquem os conflitos existenciais
humanos, como defende Jauss (1994:?), pensador da Estética da Recepção e alguns
nomes desconhecidos, mas tão conscientes acerca desse assunto quanto esse
teórico, exemplificados em:
Máscara 0829
A leitura é uma das atividades mais nobres desempenhadas pelo ser
humano, pois ela demanda conhecimento do código empregado, interpretação de
texto, associação de idéias, reflexão, criação de novos conhecimentos, mudanças
de valores e comportamentos, criatividade. E para que o ato de ler possa se dar
plenamente, é preciso que as pessoas sejam capazes de realizar todas essas
tarefas intelectuais.
Máscara 0360
Ele – o jovem – precisa ter estímulos, precisa compreender que
obtém benefícios da leitura. Mas quais são os benefícios que a leitura pode
oferecer? E podemos responder: lazer e ganho de conhecimento.
Contudo, para isso, é essencial encontrar
e incorporar em nossa biografia livros que nos motive a pensar, a imaginar, a
desejar, a sentir, a criticar, a formular, a refutar, a especular, por em ação
a nossa interioridade e isso só vai ocorrer quando formos provocados,
estimulados e respeitados em nossos limites imediatos e nas escolhas que
faremos na construção do comportamento leitor.
Máscara 1842
O sucesso avassalador das aventuras de Harry Potter, o bruxo mirim
mais famoso do mundo, está servindo para desmentir a idéia de que a geração
atual não gosta de ler. Ela gosta e muito. Faltavam-lhe somente orientação na
escola e livros que estivessem mais identificados com o universo interior de
seus leitores.
Quantas pessoas se lembram com prazer da obrigatória leitura dos
clássicos nos tempos de colégio? Poucas, com certeza. A grande maioria não
deseja nem ouvir falar de Machado de Assis. Por quê? (...)
Para os alunos em geral, a passagem das historinhas de Lygia
Bojunga Nunes para os romances de Machado de Assis é demasiadamente brusca,
quase agressiva. Um dia se lê Bisa Bia Bisa Bel no outro, aparece a poesia de
Gregório de Matos. Fica difícil para o aluno não se perder pelo caminho. (...)
Um dos maiores escritores brasileiros , Carlos Drummond de
Andrade, não iniciou sua vida literária lendo Proust, mas sim a história de
Robson Crusoé.
A partir da realidade de cada um, o ato de
ler textos que exploram as narrativas mágicas, de ficção apenas, aquelas que
não são de nenhuma maneira transfiguração da realidade humana, não deve ser
entendido como atividade rasa. Pelo contrário, esse tipo de leitura faz parte
de um processo, no qual o leitor, à medida que lê, torna-se mais exigente e
assim buscará leituras mais reflexivas, que contribuirão para a resolução de
seus conflitos individuais e sociais, levando-o a compreender o mundo, a
própria existência, o sobrenatural, a essência do inexplicável, tornando-o mais
sensível e meditativo, filosófico, quem sabe! A esse momento de leitura,
poderíamos chamá-lo de iniciático. É natural que o sujeito busque na leitura,
sobretudo na literária, primeiramente algo que o divirta, que lhe dê prazer,
sem obrigatoriedade com o produto intelectual, com as verdades existenciais,
como também é natural que depois ele busque respostas para suas inquietações,
mesmo porque qualquer texto pode, a depender do grau de maturidade do leitor,
suscitar questionamentos que levem a outros universos, mais complexos e
transbordantes. O que fica claro nas palavras a seguir:
Máscara 0826
A leitura exige disponibilidade de tempo. Um tempo para
assimilação, vivência e amadurecimento. Um tempo para refletir e sentir. Um
tempo para transformar informação em conhecimento. Um tempo contado no relógio
interno de cada leitor.
Máscara 2599
A leitura não deve ser vista como uma obrigação. Ela deve ser
agradável, atraente, enfim, um entretenimento que possa competir com as
diversões modernas à disposição da nossa juventude. A literatura didática com
clássicos da nossa literatura muitas vezes é entediante e confusa. Como fazer
com que um adolescente, no auge do seu “pique hormonal”, contemple um livro da
nossa fase parnasiana, cujo tema central é um vaso de flores?
Máscara 0613
Esta ânsia de levar o jovem a leitura, obriga a que estes sejam
introduzidos na leitura (...) através da obrigatoriedade da leitura dos
notáveis Machado de Assis, Graciliano Ramos ou Jorge Amado que, embora
notáveis, ainda não despertaram para esta faixa etária a curiosidade para a
leitura. Talvez não seja esta a fase da vida em que estes jovens devam ser
introduzidos a estas belas, porém rebuscadas leituras, (...) para que mais
tarde as leiam por vontade própria e lhes dêem o devido valor.
Retomando a idéia inicial, o paralelo que
é realizado entre o ato de ler e escrever, observa-se que os argumentos
centram-se, principalmente, na questão da leitura, mesmo porque o tema proposto
aos concursandos foi Ler ou não ler – eis a questão, frase que marca a
intertextualidade com Shakespeare em Ser ou não ser – eis a questão. A
partir disso, proponho algumas conclusões: A primeira tem relação com título
desse artigo Ler para ser: uma questão de opção, explorando a idéia de
que, para que estarmos no mundo, temos a opção de lê-lo e nos tornamos seres
humanos de fato, seres do lógos, conscientes de nossa condição humana e nossos
conflitos. Ou temos também a opção de não lê-lo e não estarmos no mundo, não
entendermos as questões existenciais que acabam por ser coletivas -
palimpsestos humanos.
Vale lembrar que compreender a nós mesmos
é compreender o outro e o mundo. E segundo Perissé (2006: 14), a criatividade
humana consiste, portanto, em inteligir o mundo, dando-lhe sentido,
interpretando-o, reiventando-o. Inteligir, segundo a etimologia, é ler (legere)
em profundidade (intus), ler de dentro para dentro. É na leitura que temos a
possibilidade de escolha, que depois de realizada não há retorno, regresso,
porque o conhecimento e a consciência desperta-nos para nós mesmos, porque
(idem: 70) nossas descobertas, não ocorrem fora do contexto existencial. A ficha
cai, ou seja, entramos em contato com a realidade quando com ela dialogamos,
carregando a relatividade de nossos juízos (...) pois essa relatividade, da
qual temos consciência, produz o sentido de corrigir o rumo sempre que
necessário.
A segunda tem relação com o diálogo entre
o ler e o escrever. Segundo Yunes (2003: 41), a leitura precede a escrita, não
decorre dela. A leitura é uma antecipação da escrita, pois para escrever é
necessário ler. E Lontra, em conversa informal durante o seminário Retratos da
leitura no Brasil, complementou “A escrita, lida, favorece a melhoria da
própria leitura, por que o círculo é dialético.” E assinalo que assim o é
porque uma atividade é fruição para a outra.
A última conclusão que proponho é a de
que, entre tantos discursos negativos em relação à prática da leitura no mundo,
sobretudo a literária, há pessoas que acreditam que ela ocorra de fato. E isso
traz para nós, professores e pesquisadores, esperança, esperança no homem, no
mundo e para o mundo, porque como já foi dito por Perissé (2006: 72) o contato
com a literatura não é mero contato, é encontro. E quando tive a oportunidade
de ler esses textos, apesar de eles não pertencerem ao gênero literário mas se
revelarem ricos em poesia, pude me encontrar com pessoas que acreditam no poder
da leitura literária como fruição para a vida, que confiam na existência de um
leitor, independente da sua forma de atuação sobre a realidade dos textos no
contexto atual, que se revela, muitas vezes, caótico. E que, principalmente,
revelaram-se verdadeiros leitores de livros, do mundo, da vida.
BIBLIOGRAFIA
BAKHTIN, Mikail Mikhailovitch. Marxismo e filosofia da
linguagem. São Paulo: Anna Blume, 2002.
Charaudeu,
Patrick. Linguagem e discurso: modos de organização. São Paulo:
Contexto, 2008.
CHARTIER,
Roger. Os desafios da escrita. São Paulo: Unesp, 2002.
GUEDES,
Paulo Coimbra. A formação do professor de português: que língua vamos
ensinar? São Paulo: Parábola, 2006.
JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação
à teoria literária. São Paulo: Ática, 1994.
PERISSÉ, Gabriel. Ler, aprender e escrever. São
Paulo: Arte & Ciência, 2004.
___ Literatura e educação. Belo Horizonte:
Autêntica, 2006.
VIEIRA, Josênia Antunes [et al]. Reflexões sobre a língua
portuguesa: uma abordagem multimodal. Rio de Janeiro: Vozes, 2007.
YUNES, Eliana. OSWALD, Maria Luiza. A experiência da leitura.
São Paulo: Edições Loyola. 2003.
1 Os textos foram corrigidos e
classificados em 5 grupos: Textos com nota abaixo de 5 – grupo E; textos com
nota entre 5,5 e 6,5 – grupo D; textos com nota entre 7,0 e 8,0. – grupo C;
texto com nota entre 8,0 e 9,0 – grupo B; textos com nota entre 9,0 e 10,0 –
grupo A. O grupo de textos selecionados para análise, nesse artigo, pertencem
aos grupos A e B.
2 VIEIRA, Josênia Antunes [et al]. Reflexões
sobre a língua portuguesa: uma abordagem multimodal. Rio de Janeiro:
Vozes, 2007:. p. 24. A qualidade de multiletramento é a capacidade de o leitor
se mover rapidamente entre os diferentes letramentos. Por esta razão, as
práticas textuais se compõem de diferentes linguagens semióticas que podem
abrigar a fala e a escrita, a comunicação visual e a sonora, além de utilizarem
os recursos computacionais e tecnológicos.
3 Ibidem. P. 53. O texto multimodal é
aquele cuja significação realiza-se por meio de vários modos semióticos.
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